sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

UM RISO EM CENA


Uma noite (nada)cheia de graça no Teatro Ferreira Gullar

Luzes apagadas e cortinas abertas. Típicos e tradicionais indícios que anunciam o início das grandes peças teatrais, neste caso, um espetáculo dado pelos versos de um imortal da nossa música: Chico Buarque de Hollanda. No telão o aviso “Por favor, desliguem os celulares.” Mas antes, como se não bastasse, o personagem de um faxineiro anfitrião reitera o pedido insistentemente para se assegurar de que nada vai quebrar a magia dos instantes que virão.

Um canhão de luz atravessa o teatro lotado e invoca o primeiro ato da noite. Tudo perfeito. O roteiro ganhava vida nas interpretações. Olhares fixos, impostação de voz impecável, gestos e expressões à altura dos versos declamados, momento exato para arrancar algumas palmas. Mas o inusitado entra em cena: a risada de uma criança da platéia invade todo o espaço e rouba do público os aplausos tão cobiçados pelos atores. Motivo? “Que risada graciosa! Que risada linda!”, comentários compreensíveis no momento, desde que o “espetáculo da menina que rir” não fosse alimentado por quem tem Sai de Baixo e Toma Lá Dá Cá como únicas referências teatrais.

O jogo de cintura dos atores foi um espetáculo à parte. A criança, mais esperta que o público, soube prender a atenção de todos por muito tempo. Já não se esperava versos impressionantes, mas sim a risada de uma criança que faz rir. Sobrou para quem estava no palco a difícil missão de reverter a situação, e usando o velho clichê de que tudo em excesso faz mal, as risadas da criança cessaram por falta de atenção. Tarde demais, a peça chegava ao fim.

Os comentários inconvenientes persistiam fora do teatro. Nos degraus da fachada do velho Gullar, em meio ao público ainda agitado, nosso querido Chico foi trocado por elogios à infante “estrela” da noite: “Vocês ouviram aquela risada engraçada? Deu até vontade de levar essa criança para casa.” Aqueles que não disfarçavam o arrependimento pelo tempo e dinheiro perdidos, e ainda desacreditados dos instantes que passaram, reclamavam em tom baixo com o balanço de cabeça em sinal de negação. A noite terminou com e insatisfação no rosto de quem aprecia um bom espetáculo teatral, diferente do largo sorriso de felicidade daqueles que elegeram a diversão infantil como principal atração.

Quando se tem um público que troca a seriedade de uma peça por um punhado de risadas fora de hora, os avisos de silêncio são insuficientes para conscientizar as pessoas de que o teatro é um local sagrado, muito mais quando o que se está encenando são versos de um gigante de sobrenome Hollanda. Fica uma dica de aviso como prevenção contra personagens fora de script: Por favor, desliguem os celulares e as crianças cheias de graça.


Imperatriz tem dessas coisas.
Foto: httt://www.agorabinhi.com