quinta-feira, 2 de julho de 2009

O velho venerável e seus caminhos


Ao meu velho cheio de sabedoria...

Bom ser humano que transforma o imperfeito em figura venerável, que profana o sagrado e cultua a carne que sangra e faz sangrar. Só o precipício traz a façanha de laços estreitos entre o homem e a própria humanidade. Não existe pecado na morte conselheira, nem medo diante do seu silêncio. O ser mais temido da história é capaz de regenerar o homem desposado de toda segurança.

Bom construir altares mesmo aos 76 anos. Em meu altar particular, o velho sábio ainda dita suas regras incomuns e sob o molde da loucura dá voz ao passado que insiste ser real. Parece gozar do infinito enquanto espera sua morte cheia esplendor; sabe do mundo e seu eterno estado crepuscular, certo de que o amanha sempre virá(que presunção).

A noite escura reduz a nada a falsa segurança, prova que existência por si só é tão volátil quanto à fumaça que se desfaz pelo ar. A noite escura vem devagar e traz a lembrança assustadora do tempo sempre soberano. A noite escura é isenta de malícia, foge do senso comum e do preconceito de mortais que enxergam apenas seu instrumento de dor. Ao contrário, em seu toque também existe glória, sim, a glória da reconciliação, do fascínio pelo perdido... a glória de tesouros que escorrem pelas mãos.

Bom ser este misto de insanidade sem o infortúnio da preocupação. De alteres intransponíveis a delicados castelos de mim. O melhor refúgio está em suas cúpulas de cristais justamente por serem tão frágeis à dor. Nelas estão guardadas as lembranças que compõem o velho de cabelos brancos e pele enrugada à espera da morte amiga, descobrindo o valor do que é ausente nas oportunidades inusitadas. Talvez seja este o momento exato para refazer suas histórias... do triste “adeus” ao “ainda estou aqui.”

Vivo de altares e em castelos vazios à espera de um milagre imperfeito que me traga devaneios. No altar da minha imperfeição, as crianças, sacerdotes do instante, realizam seus rituais de inocência sem regras: transformam o absurdo em brincadeira; em meus castelos ínfimos, nenhuma lágrima traz a comoção pela figura de um velho que muito sofreu, pouco amou e nada cresceu. A loucura é o sustento dos sábios.
Amar o imperfeito é ser o velho sábio e sua imagem infantil, a criança que venera a carne viciosa da própria mãe.
Quem goza do imperfeito também ama com perfeição.