sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

UM RISO EM CENA


Uma noite (nada)cheia de graça no Teatro Ferreira Gullar

Luzes apagadas e cortinas abertas. Típicos e tradicionais indícios que anunciam o início das grandes peças teatrais, neste caso, um espetáculo dado pelos versos de um imortal da nossa música: Chico Buarque de Hollanda. No telão o aviso “Por favor, desliguem os celulares.” Mas antes, como se não bastasse, o personagem de um faxineiro anfitrião reitera o pedido insistentemente para se assegurar de que nada vai quebrar a magia dos instantes que virão.

Um canhão de luz atravessa o teatro lotado e invoca o primeiro ato da noite. Tudo perfeito. O roteiro ganhava vida nas interpretações. Olhares fixos, impostação de voz impecável, gestos e expressões à altura dos versos declamados, momento exato para arrancar algumas palmas. Mas o inusitado entra em cena: a risada de uma criança da platéia invade todo o espaço e rouba do público os aplausos tão cobiçados pelos atores. Motivo? “Que risada graciosa! Que risada linda!”, comentários compreensíveis no momento, desde que o “espetáculo da menina que rir” não fosse alimentado por quem tem Sai de Baixo e Toma Lá Dá Cá como únicas referências teatrais.

O jogo de cintura dos atores foi um espetáculo à parte. A criança, mais esperta que o público, soube prender a atenção de todos por muito tempo. Já não se esperava versos impressionantes, mas sim a risada de uma criança que faz rir. Sobrou para quem estava no palco a difícil missão de reverter a situação, e usando o velho clichê de que tudo em excesso faz mal, as risadas da criança cessaram por falta de atenção. Tarde demais, a peça chegava ao fim.

Os comentários inconvenientes persistiam fora do teatro. Nos degraus da fachada do velho Gullar, em meio ao público ainda agitado, nosso querido Chico foi trocado por elogios à infante “estrela” da noite: “Vocês ouviram aquela risada engraçada? Deu até vontade de levar essa criança para casa.” Aqueles que não disfarçavam o arrependimento pelo tempo e dinheiro perdidos, e ainda desacreditados dos instantes que passaram, reclamavam em tom baixo com o balanço de cabeça em sinal de negação. A noite terminou com e insatisfação no rosto de quem aprecia um bom espetáculo teatral, diferente do largo sorriso de felicidade daqueles que elegeram a diversão infantil como principal atração.

Quando se tem um público que troca a seriedade de uma peça por um punhado de risadas fora de hora, os avisos de silêncio são insuficientes para conscientizar as pessoas de que o teatro é um local sagrado, muito mais quando o que se está encenando são versos de um gigante de sobrenome Hollanda. Fica uma dica de aviso como prevenção contra personagens fora de script: Por favor, desliguem os celulares e as crianças cheias de graça.


Imperatriz tem dessas coisas.
Foto: httt://www.agorabinhi.com

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Devaneios


Amo-te com infinito amor, no mais perfeito dos sonhos que ainda posso realizar, nos sentimentos vivificantes de uma paixão desmedida, sem igual. Amo-te nos sofrimentos das despedidas, na alegria dos raros instantes, na inconformidade do pouco tempo que nos dedicamos, na certeza de sempre existir um possível reencontro. Amo-te.

Amo-te com amor indizível, em ordem de batalha, pronto e disposto a desafiar os piores temores do homem. Amo-te em prontidão, às ordens de romper um laço que ainda nem se formou, pronto a perder - por você - o que eu nunca tive ou terei.

Amo-te com a força da primeira vez, quando o mundo passou de comum a incomum, quando o que procurar estava sempre a minha frente. Amo-te com desejo, como a força violenta das mais belas torrentes das águas e na simplicidade das suas nascentes.

Amo-te no sigilo e nas virtudes do “ser amigo”, na obra prima de Deus chamada mulher. Amo-te além dos limites que nos são impostos, além das circunstâncias que nos privam da plenitude, um do outro. Amo-te na beleza de um céu que ainda nem conheço, com o privilégio de saboreá-lo previamente, não por excelência ou méritos, mas pela misericórdia de um Deus que me permitiu contemplar-te.

Amo-te no silêncio que habita entre nós, na inconstância dos meus passos por não saber até onde posso ir. Amo-te na incerteza de cada conquista e principalmente nas conseqüências das difíceis decisões. Amo-te na promessa de nunca ousar uma aproximação, na esperança de ser este o tempo certo, após tanta espera, para te fazer plena mesmo sendo quem sou.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Invasão!


Minha Filosofia de Vida foi escrita em poucas linhas por quem meu coração não consegue esquecer. Ela é tímida, mas já mostrou nestas palavras a difícil arte de viver. Só sei dizer que eu a amo demais, e mesmo assim tenho a sensação de não ser suficiente.

Obrigado pelo presente!

"Viver ....

Deixar-se enganar por aquilo que você pensou que era verdade, não é um erro, mas sim aproveitar o momento em que você pensava ser verdadeiro. Aventurar-se em sonhos é o perigo mais seguro a se correr. Aprender com o que errou é ter capacidade de entender a vida como ela é.

Amar, correr riscos e ser criança é sonhar com uma vida sempre mais bela, é deixar-se levar pela brisa do pôr-do-sol e um saber aproveitar cada segundo como oportunidades que a vida oferece.

Amar, se apaixonar, ser feliz, brincar, sonhar ... é a melhor prova de que vale a pena viver. "


Texto e foto: Izabela Sarmento.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Recordar é SENTIR!



Neste dia tão meu... aos meus 76 anos.

Somente a boa lembrança me faz mais próximo de quem amo. Nem mesmo a saudade é mais forte que esses momentos recheados de imortalidade, partilhados generosamente. São retalhos de lembranças que compõem o que é nostálgico em mim, essa beleza de ter pertencido a alguém, a beleza que me convida à felicidade e que não encontra em mim resistência alguma.

Somos metades que, embora distintas, fazem parte de um mesmo universo. Somos metades que se completam na particularidade do que se faz novo a cada momento. Somos metades que registram lembranças no vazio que há em nós, certamente a ausência que temos do objeto que nos completa. Somos metades desejosas de um tempo ao revés, na busca incansável de reaver o que já não temos e, sem perder mais tempo, gozar das coisas que ainda estão por vir. Metades se tornam “um” pelo desejo de uma vez mais...

Tudo o que é eternizado na alma passa pela experiência do “mais uma vez...”. Acredito num mundo onde recordar não significa necessariamente sofrer. O conforto da velhice mora justamente nos signos adquiridos pelas experiências em vida. A memória dos velhos é um lugar cheio de saudades... daí minha ousadia ao admitir meus 76 anos vividos... é o que trago de mais insano, admito, mas encaro isso como um desafio aos paradigmas deste mundo.

A figura de um velho tem um ganho especial de eternidade. Sim, suas memórias dão sentido às histórias que não mais são, que ainda resistem ao tempo sob a forma de imagens incorrutíveis, auto-sustentáveis.

Eternidade é na verdade a lembrança que desassossega a alma por ser ela parte do lugar ao qual se quer voltar. Não sou um velho(ainda), mas me sinto como um. Sou um ser dotado de uma nostalgia sem fim.

Só a saudade eterniza as pessoas e os momentos que não queremos ver partir.
Imagem: Rubem Alves.

domingo, 6 de setembro de 2009

Sentir . . .


Às amizades constantemente fiéis aos sentimentos... por toda inspiração.

É na lealdade aos sentimentos oferecidos que descobrimos o que a felicidade traz de tão impressionante à figura humana, especilamente às amizades que tecemos. Com o coração altruísta, que escreve suas histórias com peso do próprio sangue, descobrimos o valor dos sentimentos que o bixo-homem insiste em selar com preconceitos repugnantes. É presunção pensar que a felicidade deve ser alcançada e aprisionada a qualquer custo, quando na verdade gozar de um sofrimento mínimo é um privilégio gigantesco para poucos que sabem saboreá-lo.

Os sentimentos se tornam ainda mais humanos quando sujeitados aos momentos imprevisíveis, o que me faz questionar os segredos da vida quando dois amigos sentem o mesmo um pelo outro antes mesmo de se conhecerem. Talvez essa resposta venha por conseqüência de tantas outras. Talvez a amizade verdadeira seja imortalizada por esses momentos inusitados, com pessoas inesperadas, de sentimentos constantes e de uma forma surpreendente.

Sou fascinado pela idéia da descoberta, de ser o primeiro a me enxergar nas amizades construídas sem o fardo de um mundo cheio de pressa e responsabilidade, um mundo sem tempo para os sentimentos humanos. E são nas amizades recém-nascidas que o tal bixo-homem pode reaver o gosto pelas causas humanas, justamente porque suas histórias ainda não foram escritas.

. . . viver o inusitado que o dia nos impõe . . . narrar belas histórias de fidelidade às causas do coração nas páginas escritas em vermelho: o sangue que traduz o sofrimento para muitos ainda tão alheio, sentimento merecedor de atenção, tão humano como outro qualquer.

Foto: Amanda e Emanuelle.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

O velho venerável e seus caminhos


Ao meu velho cheio de sabedoria...

Bom ser humano que transforma o imperfeito em figura venerável, que profana o sagrado e cultua a carne que sangra e faz sangrar. Só o precipício traz a façanha de laços estreitos entre o homem e a própria humanidade. Não existe pecado na morte conselheira, nem medo diante do seu silêncio. O ser mais temido da história é capaz de regenerar o homem desposado de toda segurança.

Bom construir altares mesmo aos 76 anos. Em meu altar particular, o velho sábio ainda dita suas regras incomuns e sob o molde da loucura dá voz ao passado que insiste ser real. Parece gozar do infinito enquanto espera sua morte cheia esplendor; sabe do mundo e seu eterno estado crepuscular, certo de que o amanha sempre virá(que presunção).

A noite escura reduz a nada a falsa segurança, prova que existência por si só é tão volátil quanto à fumaça que se desfaz pelo ar. A noite escura vem devagar e traz a lembrança assustadora do tempo sempre soberano. A noite escura é isenta de malícia, foge do senso comum e do preconceito de mortais que enxergam apenas seu instrumento de dor. Ao contrário, em seu toque também existe glória, sim, a glória da reconciliação, do fascínio pelo perdido... a glória de tesouros que escorrem pelas mãos.

Bom ser este misto de insanidade sem o infortúnio da preocupação. De alteres intransponíveis a delicados castelos de mim. O melhor refúgio está em suas cúpulas de cristais justamente por serem tão frágeis à dor. Nelas estão guardadas as lembranças que compõem o velho de cabelos brancos e pele enrugada à espera da morte amiga, descobrindo o valor do que é ausente nas oportunidades inusitadas. Talvez seja este o momento exato para refazer suas histórias... do triste “adeus” ao “ainda estou aqui.”

Vivo de altares e em castelos vazios à espera de um milagre imperfeito que me traga devaneios. No altar da minha imperfeição, as crianças, sacerdotes do instante, realizam seus rituais de inocência sem regras: transformam o absurdo em brincadeira; em meus castelos ínfimos, nenhuma lágrima traz a comoção pela figura de um velho que muito sofreu, pouco amou e nada cresceu. A loucura é o sustento dos sábios.
Amar o imperfeito é ser o velho sábio e sua imagem infantil, a criança que venera a carne viciosa da própria mãe.
Quem goza do imperfeito também ama com perfeição.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Meu amor é assim....


Você merece todo o meu respeito.

Um amor assim se estabelece na cumplicidade e não no tempo, na total entrega a uma ternura sutil e não no preconceito de juízes inconvenientes.
Um amor assim se conforma na espera que gera a paciência, porém, supera os limites a que foi e é submetido diante dos olhares ultrajantes.

Sei que o desafio maior é participar integralmente do manjar que o próprio Senhor nos prepara, pelos méritos de verdadeiros filhos que souberam derrotar a magnitude do tempo na paciência, na espera em Deus que é atemporal, estabelecido na eternidade:

Amor que constrói, que refaz, que renova e que transforma. Amor-razão, amor-loucura, amor-sacrifício, amor-espera, amor-renúncia. Amor que ensina com o silêncio a esperança de cada dia, que insiste em ser ingênuo por ser humilde e “simplório”.

Amor que me abrasa, que me fascina por sua veemência; que me compraz nos tempos errantes. Amor dos poucos e restritos momentos. Amor dos instantes eternos. Amor leal à ordem regente dos acontecimentos.

Amor que nada quer para si e que torna todos um só; que faz emergir dos piores corações a bondade já esquecida; que me faz sempre mais humano na abundante graça de ser divino.

Amor irremediável, infindo, sem par. Amor que me apraz e que me convence em ser melhor; que me renova as forças e que me faz amar irrestritamente a Verdade e a vida na beleza do inconstante e do eterno.

Amor que conduz, que me inspira, que me transforma ousadamente nos sonhos de Deus; que me translada às maravilhas da imortalidade; que me destina ao privilégio dos santos, e principalmente ao colo da minha doce e amada Senhora, Maria Santíssima.

Queria amar menos, mas não consigo.

Obrigado por tudo.
Foto: Minha amiga tensa, Ângela Maria.

sábado, 21 de março de 2009

O trágico sem-palavras, minha inspiração.



Para que Deus me castigue basta tirar-me a inspiração, assim Ele tem o prazer me ver contrariá-lo amorosamente.

Esse é um dos muitos mistérios que me compõem. Chego a pensar nos motivos das minhas abstinências literárias. Escrever para mim é cantar com palavras, é retratar os sentimentos que nascem sob a realidade do instante.

Parto do princípio de que toda a inspiração é obra e obreiro que desconhecemos. Albert Einstein chamou suas inspirações de “estalos” (eureca), atribuindo-as a um senso intuitivo. Eu prefiro defini-la como o assalto à ociosidade da alma para dar beleza e sentido ao incomum.

O que me veta os olhos da alma me faz amar a tragédia(nome que dou à beleza do efêmero). Um poeta sem palavras é a tragédia que faz nascer “estalos” que contradizem sua própria imagem. Aí mora o sentido de que as coisas imperfeitas têm seu valor perante o sofrimento. Minhas tragédias... quem ousaria entendê-las?

O instante trágico da vida é engravidar dos seus mistérios e aceitar o silêncio como única inspiração. Descobri ser mais feliz que a tantas mulheres “grávidas de primeira viagem”. Embora não gere filhos de carne, a vida tem me fecundado para dar ao mundo o fruto do assalto e da tragédia. Engravidar é um exercício de felicidade.

Por outro lado, com o perdão dos leitores conservadores, os últimos tempos têm sido para um tipo de aborto especial. O fruto que esperava não era legitimamente um fruto da vida. Fico a pensar se a Igreja julgaria tal ato como próprio para excomunhão, mas infelizmente o cânon católico não faz alusões sobre os “engravidados pela vida”, já que se trata de um caso que foge às discussões sobre ética e respeito humano.

A idéia de um amor interrompido me fascina pela sua condição de tragédia. Somente os poetas entenderiam o que se passa na alma de uma mãe quando, certa do que fez, sangra de saudades por um filho que não vai conhecer.

Sou o trágico sem-palavras, a inspiração de mim mesmo...
Sou um poeta e sua imagem imperfeita, desfocada, encantadora.
Sou o verbo sem ação, a palavra sem sentido.

Sou mãe cheia de leite, sem filhos para amamentar...
Sou mãe que faz ninar, que embala em seus braços o vazio, a sorrir diante do nada.
Sou mãe fascinantemente sem brilho, que busca a razão de ter negado, que deseja o não acontecido, sob as lembranças de um filho que poderia. . . poderia ter sido.
Imagem: Net.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

O meu MUITO OBRIGADOOO!


Deixando a sistemática um pouco de lado...

Desta vez não quero postar minhas dores ou devaneios, quero unicamente agradecer a Deus pelo dom da vida e por ter me lapidado para ser o que sou hoje: VIDA!

Quero agradecer a uma mãe sempre presente, nunca vacilante, mesmo não merecendo um filho como eu. O Senhor e minha Senhora desceram “a fim de me livrar da escravidão, para me levar a uma terra boa, terra que mana leite e mel.”

Agradeço também aos amigos presentes, engraçados, sorridentes; aos amigos ausentes, sempre constantes na lealdade, na fidelidade e no amor. Aqui quero citar:
Ângela, meu sustento e meu sacramento fraterno. Izabella, meu melhor espelho. Nega Layane, minha cúmplice. Cynara, sempre incomparável. Meu amigo João, companheiro no sofrimento e na vitória. Socorro, irmã com perfeição de mãe. Sarina, a criança que quero que não cresça. Rowena, Natiele e Ariane, Hesed na minha vida. O Caminho, na pessoa da minha madrinha linda, Irmã Ágata.

Enfim, agradeço a todos os que se fazem presentes e que carregam um pedaço do que eu sou.

Amo todos vocês, sempre sempre!

Quem como Deus? Ninguem como Deus!

Salve Mariaaa!

Foto: Filme Patch Adams.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Sobre a aversão perante o inconstante . . . seus efeitos.


De onde vem o sopro que faz nascer morte no que parecia vida?

De onde vêm os ladrões de felicidade que rareiam o ar na ousadia de querer que não têm?

Por onde se constroem os montes que se abalam e a fé no que acreditamos ser real?

Quero o direito à constância de sentimentos que me faça acreditar mais uma vez. . . o direito de contemplar as dores que não sejam as minhas e atestar que o sofrimento não me é restrito.

Quero o direito de perder o foco, de não ter metas ou condutas que me separem daquilo que achei ser real e não fingido. Quero o respeito aos sentimentos que fazem de mim o que eu sou, na ousadia de ser único para o amor.

Quero o direito de contestar o homem na sua hipocrisia perante seu objeto de desejo, que ignora os lados e descartar o sem valor. Quero questioná-lo na sua tolice insana sob pretexto de sempre viver algo novo.

Quero o direito de repudiar a conveniência do meio e dissolver os padrões que fazem de nós apenas seus produtos, nada mais; o direito de perder a confiança sob a luz da razão que explique por que colher indiferença quando se semeia flores.

Quero o direito de ser mãe para gerar e cuidar dos “constantes” que são parte de mim, que fazem da vida um abraço demorado, firme e persistente.

Quero o direito à impureza das prostitutas, à leviandade dos “sem pudores” e à irresponsabilidade dos vadios. Quero andar de braços dados com o devasso e preceder os perfeitos no paraíso.

Quero o direito de me apaixonar mais uma vez, de ser louco pelo mistério do assalto. Quero amar meu ladrão com a persona múltipla de uma só face chamada amor.

Quero o direito à vida que me ensine que a melhor maturidade é não ter pressa de crescer, é perder o direito de ser homem inconstante na ingenuidade de um menino contínuo.

Quero plantar uma árvore, escrever um livro e ver meu filho nascer. Quero ser o velho sábio que ensine que o amor basta para o amor, que o acaso é sempre estéreo e que a constância da vida é boa demais para ser verdade.

Por fim, quero o direito a uma morte sem dor pelo legado do amor leal que um dia ofereci; o direito à imortalidade dos poetas e ser lembrado como quem muito amou com palavras quando não mereciam.

Que impere em mim o sentimento de dever cumprido ao escutar o acorde definitivo da vida.

Imagem: Internet.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

De volta à Terra do Esquecimento


À minha eterna criança


Uma mulher que mora nas nuvens sonhara com duas crianças. Seu rosto nunca pareceu tão feliz ao carregar um sorriso que nunca envelhece. Parece transformar a tudo o que alcança no que o amor quer, ou seria melhor dizer “transportar ao que o amor quer?” Sim, seus sonhos levam ao limiar das brincadeiras de roda que fascinam pela riqueza de uma alegria sem maldades.

Uma mulher sonhara com o eterno na felicidade dos pequenos que se exibiam sem pejo. Observava curiosa quando, no ritmo próprio das crianças, rodopiavam de mãos dadas para que o mundo girasse com elas. O zunido suave do vento e as hilariantes gargalhadas formavam a melodia do esquecimento, sem identidade, tempo e nem espaço. O culto à perfeição se fez por esse momento. Nada de tão especial, diriam os tolos “não-tolos”. Para os sábios, a chave de todas as coisas.

Foi na sabedoria que se aproximou com temor afim de não quebrar o encanto da figura. Viu que uma das crianças lhe parecia familiar e percebeu que o rosto que contemplava era o seu quando menina, sempre jovial apesar do susto.

Sob essa nova perspectiva, brincavam de contemplar a face um do outro, disputando inocentemente quem se perdia mais no olhar de quem. A mulher, agora menina, ousava questionar-se sobre a outra criança, diferente de todas com as quais estivera. Mas o jejum de palavras pouco durou, quando se ouviu na Terra do Esquecimento um sussurro que dizia: “eu te amo, mamãe!” Nesse momento os segredos volatizaram-se, e a senhora - menina saciou-se de uma eternidade sem fim.

A cena mais linda de um sonho de mãe é correr feito criança de mãos dadas com o próprio filho. As brincadeiras, os sorrisos, a inocência, a pureza.... que espetáculo! A mulher mais hábil na arte de sonhar, tão mais perfeita em realizar as quimeras de Deus, descobriu que seus sonhos são os dEles e os dEle são os dela.

Maria, feito menina, sonhou com o Deus menino ao penetrar nos sonhos do Altíssimo.
Maria, inocente Maria, brincou de ser feliz no paraíso para sonhar nossos sonhos.
Maria, pequena Maria, ensinou gente grande a não ter medo do escuro na doce dependência de Deus.
Maria, eterna criança, provou que a felicidade cabe na palma quando não se pensa em ser feliz, brincar o dia todo seria suficiente para isso.

Brincadeira de criança é um ritual de inocência sem regras, é o doce pesar da infância que sempre volta quando se brinca eternamente de braços dados com o amor.

De volta à Terra do Esquecimento. . .

Imagem: Internet.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Minha imagem, meu silêncio.


. . . na ausadia de me entender.


Fecho os olhos e imagino alguém. Logo percebo que a imagem não é outra senão a minha. E me pergunto por que estou ali, num estado de perfeição sem máculas como nunca ousei me imaginar; por que admiro a mim mesmo se há tanto tempo tornei-me repulsivo aos meus olhos. Queria fechá-los e poder imaginar alguém além de mim.

Como o absurdo do acaso que gera a vida sem o toque do divino, assim não aceito que tão bela forma tenha sido projetada sob pensamentos vazios. Não posso ser a arte perfeita de mim mesmo, muito menos a imagem de um acaso intrigante cheio de contrários! Que farsa é essa que ultraja minha verdade, que me revolta e me fascina, que me faz um relutante sem indícios força?

Não posso ser assim, feliz. Não posso ter um olhar que me inaugura e me faz novo. O olhar da pura alegria de minha infância, das lembranças já esquecidas e de desejos até então adormecidos. Por ele me vejo sonhar com o amor que não se perde, amor estranhamente constante que confronta a razão do meu passado-presente.

E meu estranho silêncio.... por que nada se ouve? Por que uma voz que cala diz mil verdades precisas? Um silêncio que tudo pode na impotência das palavras, que me remonta aos passos incertos daquele breve amor. É pelo silêncio como resposta que se abusa dos bons sentimentos, e por ele preferi o risco de sangrar a escutar a voz da razão. Talvez o silêncio seja o prelúdio de um amor tolo que teimo não mais viver. Talvez esse silêncio brade em forma de alerta e queira me fazer enxergar péssimas conseqüências quando se é ousado demais.

Mas um olhar que ama não pode carregar um silêncio que destrói. Como pode um olhar tão cheio de certeza dilacerar minha esperança pelo silêncio que escuto? Estúpida contradição, verdade fragmentada ou intuição certeira.

Importa somente que tão bela imagem seja a absoluta certeza de ter alguém de olhos fechados a pensar no melhor que eu sou: nostálgico e faminto pela doçura da vida.

A condição de sonhos possíveis é a saudade do amor que diz para onde quer voltar, que anseia ser a figura incorrupta na visão das pessoas que ainda nos amam.

Não quero causas que me expliquem . . . que tudo apenas aconteça.

Imagem: Internet.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Sobre a morte e a morientarapia!


Por Rubem Alves.

O que é vida? Mais precisamente, o que é a vida deum ser humano? O que e quem a define?


Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais. O que sinto é uma enorme tristeza. Concordo com Mário Quintana: “Morrer, que me importa? (…) O diabo é deixar de viver.” A vida é tão boa! Não quero ir embora…O que é vida? Mais precisamente, o que é a vida deum ser humano? O que e quem a define?

Eram 6h. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a pergunta que eu nunca imaginara: “Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?”. Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: “Não chore, que eu vou te abraçar…” Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora a saudade.

Cecília Meireles sentia algo parecido: “E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega… O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias… Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto…"

....

Mas tenho muito medo do morrer. O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte, medo de que a passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza.Mas a medicina não entende. Um amigo contou-me dos últimos dias do seu pai, já bem velho. As dores eram terríveis. Era-lhe insuportável a visão do sofrimento do pai. Dirigiu-se, então, ao médico: “O senhor não poderia aumentar a dose dos analgésicos, para que meu pai não sofra?”. O médico olhou-o com olhar severo e disse: “O senhor está sugerindo que eu pratique a eutanásia?”

Há dores que fazem sentido, como as dores do parto: uma vida nova está nascendo. Mas há dores que não fazem sentido nenhum. Seu velho pai morreu sofrendo uma dor inútil. Qual foi o ganho humano? Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada do médico, que dormiu em paz por haver feito aquilo que o costume mandava; costume a que freqüentemente se dá o nome de ética.

Um outro velhinho querido, 92 anos, cego, surdo, todos os esfíncteres sem controle, numa cama -de repente um acontecimento feliz! O coração parou. Ah, com certeza fora o seu anjo da guarda, que assim punha um fim à sua miséria! Mas o médico, movido pelos automatismos costumeiros, apressou-se a cumprir seu dever: debruçou-se sobre o velhinho e o fez respirar de novo. Sofreu inutilmente por mais dois dias antes de tocar de novo o acorde final.


Dir-me-ão que é dever dos médicos fazer todo o possível para que a vida continue. Eu também, da minha forma, luto pela vida. A literatura tem o poder de ressuscitar os mortos. Aprendi com Albert Schweitzer que a “reverência pela vida” é o supremo princípio ético do amor. Mas o que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? O coração que continua a bater num corpo aparentemente morto? Ou serão os ziguezagues nos vídeos dos monitores, que indicam a presença de ondas cerebrais?Confesso que, na minha experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca de cigarra vazia.

Muitos dos chamados “recursos heróicos” para manter vivo um paciente são, do meu ponto de vista, uma violência ao princípio da “reverência pela vida”. Porque, se os médicos dessem ouvidos ao pedido que a vida está fazendo, eles a ouviriam dizer: “Liberta-me”.

Comovi-me com o drama do jovem francês Vincent Humbert, de 22 anos, há três anos cego, surdo, mudo, tetraplégico, vítima de um acidente automobilístico. Comunicava-se por meio do único dedo que podia movimentar. E foi assim que escreveu um livro em que dizia: “Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Para quem, para que, eu não sei…”. Implorava que lhe dessem o direito de morrer. Como as autoridades, movidas pelo costume e pelas leis, se recusassem, sua mãe realizou seu desejo.

A morte o libertou do sofrimento.Dizem as escrituras sagradas: “Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer”. A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A “reverência pela vida” exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a “morienterapia”, o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a “Pietà” de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo.

Imagem: Internet.